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O FILME É O CORTE



Por Tanael Cesar Cotrim


Júlio Bressane está pronto para gravar a primeira cena de Matou a Família e Foi ao Cinema quando assoma aos seus ombros, vigiando-o, vislumbrado em reflexo pela lente da câmera, Hermes.

Com a aresta do dedo indicador pensante debuxa na superfície plana do quadro uma lemniscata, o ponto de encontro, e de passagem, no centro e as curvas horizontal e verticalmente simétricas.

O percurso da lemniscata amiúde surge e, desde então, não cessa de criar a travessia entre o pensamento em movimento, numa direção, e a imagem em movimento, na outra direção.

Pensamento e imagem encontram-se no início e fim de cada ciclo da travessia, no mesmo ponto central, carregando as vicissitudes do caminho e as contrações dos tempos.

Do encontro entre o movimento pensante e o movimento imagético, matérias vitais desdobram-se em sequências de matérias e desdobramentos, incessantes enquanto haja vida e, portanto, por conseguinte, desdobramento.

Propriedades voluntárias e involuntárias. Processos conscientes e inconscientes. Sistema e estrutura. Função e transformação. Duração e estabilidade. Sincronia e diacronia. Instinto e instituição. Contínuo e descontínuo. Inversão e simetria. Signo e transcriação...

Mito e História. Ontológico e gnoseológico. Lógica e metafísica. Universal e particular. Sociedade e cultura. Sexualidade e tabu. Espírito e corpo. Mente e a carne. Rito e ritual. Sacro e profano. Antropologia e mitologia. Arqueologia e ocultismo. Política e ética. Sonho e devir...

Provocação e desconforto. Síntese e elipse. Opacidade e ocultação. Transparência e cifra. Centrífugo e anagramático. Centrípeto e codificado. Complexidade e metalinguagem. Clichês e criações. Sensibilidade e experimentação.

Ideia e paisagem. Som e luz. Imagem e dialética. Tempo e espaço. Memória e profecia. Dilatação e permanências. Silêncio e o nada. Câmera e câmara. Ciência, arte, vida...

As formas de Hermes vão desaparecendo e, intermitentes, começam a surgir as faces de Márcia, numa contraprojeção simbólica. Em close, numa única cena disposta, cortada e inserida em períodos distintos, surdamente, balbucia duas frases que ligam o começo e o fim do filme: Inicia com “Tá bom aqui? Pode olhar?” E finaliza: “Ai! Tá bom aqui...”

É o filme dentro do filme dentro do filme dentro do filme, vertiginosamente projetado na lemniscata. Júlio Bressane mata o cinema e vai para a família.



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