Por Tanael Cesar Cotrim
Essências
Martin Scorsese é um genuíno diretor de cinema norte-americano. Ou seja, ligado à indústria de cabo a rabo, apesar do tom peculiar nova iorquino. Modelo que impõe características comuns à dinâmica de seus filmes, da fotografia ao figurino, do roteiro à edição. Tudo empacotadinho.
O Irlandês é um exercício repetitivo de temas e formas. Não obstante a condução equilibrada na direção. Não há inovação. Não há rupturas. Não há transformações estéticas. A grandiloqüência permanece verborrágica, em contraste com as cores pastéis. À questão "O que é cinema?", a que Scorsese apontou aos filmes da Marvel, em abordagem francamente de disputa mercadológica, cabe questionar "O que é cinema na Netflix, caro Scorsese?" Mais apropriada ainda é a indagação "O que pode o cinema?", conforme bem clareou ângulos o companheiro de Verve Cineclube Danilo Dias de Freitas. Urge inquirir "O que pode o cinema de Scorsese?" Pode não muito que um retorno à origem.
Martin Scorsese tem uma profunda origem católica, que se desdobra em sua visão de mundo, não pelo aspecto teológico, mas existencial. Todos os seus filmes poderiam trazer a epígrafe: "Meu Deus, Meu Deus! Por que me Abandonastes?" Orou Jesus na cruz, no mundo em trevas. Gangsters, amigos, heróis, todos terminam só frente ao dilema da eternidade. Nascemos só e morremos só. A proximidade da finitude põem em dúvida o mistério e estrangula o que há de vida, paradoxos possíveis.

Em Luz de Inverno (1962), de Ingmar Bergman, melhor traduzido no início por "Os Comungantes", o pastor Tomas Ericsson, interpretado pelo magistral Gunnar Björnstrand, aproxima-se da imagem e, em ato de fé cambaleante, roga: "Meu pai, meu pai! Por que me desamparaste?". Rito cumprido tanto no polêmico A Última Tentação de Cristo (1988) quanto no recente Silêncio (2016). Frank Sheran, em Robert de Niro, o Irlandês, não escapa à mente fílmica e filosófica do diretor. Scorsese teceu seu próprio sudário com o evangelista Mateus e Ingmar Bergman.

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